segunda-feira, 5 de novembro de 2007

MÁGOA!

É uma palavra bonita, mágoa. Sabe a lágrimas, a noites de insónia, a manhãs de domingo solitárias e sem sentido. Tem cores pastel, muito tristes e desmaiadas, ou então violetas de viuvez, pretos baços de carpideira muda vencida pela resignação. Está para lá da tristeza, da saudade, do deseja de lutar pela que já se perdeu, da raiva de não ter o que mais se queria, da pena de ter deixado fugir um grande amor, por ser demasiado grande. Primeiro grita-se, barafusta-se, soluça-se em catadupos, fazem-se esperas, mandam-se flores e livros sublinhados, sente-se os solavancos e come-se sem mastigar, num torpar raivoso e revoltado. A vida vai mais depressa do que nós, passa-nos por cima e os dias comem-se uns aos outros. Só queremos que o tempo corra para nos apaziguar a dor e acalmar os papos nos olhos. Depois, é o pós-guerra, a rendição, a entrega das armas e as sentenças de um tribunal marcial interior, em que os juízes são a vida e o réu, o que fazemos dela. Limpam-se os destroços, enterram-se os mortos, tratam-se os feridos que são as nossas feridas, feitas de saudades, desencontros, palavras infelizes e atitudes insensatas, medos, frustrações e tudo o que não dissemos. Não há longe nem distância para a dor. A mágoa chega então, quando o cansaço já não nos deixa sentir mais nada. É silenciosa e matreira, instala-se sem darmos por ela, aloja-se no coração e começa a deixar aqui e ali, dentro de nós. A pouco e pouco sentimos que já não somos a mesma pessoa. O cansaço mata tudo. A raiva de não termos quem tanto amámos, a fúria de não sermos donos da nossa vontade, o orgulho de termos perdido quem mais queríamos. Quando a mágoa é enorme e sufoca, vegetamos em silencio para que ela não nos coma. Fingimos que está tudo bem, rimo-nos de nós próprios perante os outros e até mesmo perante o outro que vive dentro de nós. Tornamos-nos espectadores da nossa dor. Afastamos-nos de nós, do que somos, daquilo em que acreditamos. No fundo estamos a desistir. O mundo nunca pára! Nada pára! a vida foge, os dias atropelam-se, é preciso continuar a vive-los, mesmo com dor, mesmo com mágoa. Pelo menos a mágoa magoa, faz-nos sentir vivos. Arde no peito e no orgulho, mas pouco a pouco vai matando a dor.