quarta-feira, 25 de junho de 2008

CORAÇÕES AO ALTO!

Há muitos tipos de corações. Há corações pequenos e timidos, há corações grandes e abertos, há corações onde é preciso meter requerimentos de papel azul e selo de garantia para abrirem as portas, e outros, cheios de janelas, frescos e arejados. Há corações com trancas, segredos e sistema de alarme que são como cofres de bancos. Corações sombrios e desconfiados, com fechaduras secretas e portas falsas. Corações que parecem simples, mas quando se entra lá dentro, espera-nos o mais perverso dos labirintos. E há corações que são como jardins publicos, onde pessoas de todas as idades podem entar e descansar. Há corações que são como casas antigas, cheios de mistérios e fantasmas, com jardins secretos e sotãos poeirentos, carregados de memórias e recordações e há corações simples e fáceis de conhecer, descontraidos e leves, sempre em férias como tendas de campismo. Há corações viajantes, temerários e corajosos, como barcos á vela que nos parecem bonitos ao longe, mas que nos deixam sempre na boca o sabor amargo de nunca os conseguirmos abarcar...
Há corações rebeldes e selvagens que não suportam laços nem correntes, corações predadores que só sobrevivem se caçarem outos corações, que correm tão depressa como chitas e matam como leoas e, depois há os corações gnus, que sabem que vão ser caçados mas não fogem ao seu destino...
Há corações que são como rosas, caprichosos e cheios de espinhos e outros que são campainhas, simplórios e carentes sempre a chamar por afecto. Há corações que são como girassóis, rodando as suas paixões ao sabor do brilho e da glória e corações como batata-doce, que só crescem e se alimentam se estiverem bem guardados e escondidos debaixo da terra.
Há corações a motor, que vivem só para o trabalho e corações poetas que só se alimentam de sonhos e ilusões. Há corações teatrais, para quem a vida é uma comédia ou uma tragédia e corações cinéfilos, que registam a beleza de cada momento em frames de paixão...
Mas há ainda uma outra espécie de corações, os corações hospedeiros, que sabem receber e fazer sentir os outros corações como se estivessem em casa, que dão e aceitam amor sem se fixarem, que tratam cada passageiro como se fosse o ultimo, enquanto procuram o seu coração gémeo, sempre na esperança secreta e nunca perdida de um dia deixarem de viajar e sossegarem para a vida.

domingo, 15 de junho de 2008

FINAIS MAIS OU MENOS FELIZES


Detesto finais. Quando acaba um filme, não me apetece sair da sala de cinema. Fico ali sentada, no escuro-claro do genérico final, alheia ao frenesim das pessoas que fazem autênticas gincanas para ver quem é que sai da sala mais depressa. Eu, pelo contrario, queria ficar colada a cadeira. Não me apetece enfrentar a bicha do parque e procurar noedas no fundo da carteira. Só saio quando as cortinas se fecham. Afeicoo-me às personagens e ponho-me a imaginar como é que continua a vida delas depois de saírem da tela.
Com os livros ainda é pior. Demoro sempre mais tempo a ler as últimas páginas, só para não chegar ao fim. Às vezes interrompo a leitura e volto a guardá-los na estante, só para não lhes desvendar o ultimo parágrafo. Outras vezes abro uma página ao calhas e começo a ler outra vez dali para fazer render o peixe. E quando chego ao fim, só estou contente se tenho ao lado uma pilha de livros ainda por ler. Fiquei traumatizada com os finais felizes dos contos de fadas: "E depois casaram, tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre". Imagino logo a Bela Adormecida já entradota, a fazer casaquinhos de tricot, a mandar calar a filharada enquanto espera o regresso do principe, já miope e um pouco curvado, que foi trocar de cavalo ou comprar póneis para os descendentes.
O melhor das coisas é não lhes conhecer o fim. Acordar e não saber como vai ser o dia, adormecer e nem sonhar com quem se vai sonhar. Partir sozinha num fim de semana e encontrar companhia. Ficar em casa à noite e ouvir a campainha tocar. Deixar-me ir na vida, viver e deixar viver sem as grandes opções do plano. Não é tão fácil como entregar a existência a um esquema de vida cheio de programas e obrigações, mas é muito mais agradável, porque a vida está sempre á espreita, é só dar-lhe tempo e espaço.
Por isso é que os finais são horriveis. Fica o ar vazio, deixamos de ver ao longe, de repente apagam-se as luzes e a vida fecha-se aos nossos olhos. Depois do fim, vem a pergunta fatal E Agora? Mas o pior são as despedidas. É sempre horrivel dizer adeus, mesmo que seja só até logo à noite.
Não, não gosto de dizer adeus nem de ver o fim a nada, sobretudo se não lhe vi o principio. Prefiro dizer até um dia destes, mesmo que esse dia demore anos. Ou então, afastar-me sem uma palavra, e deixar no ar o mistério d não saber quando, como e porque é que nos voltamos a encontrar. Assim não sou eu que ponho fim ás coisas, mas as coisas que um dia acabarão, ou não, por si.