terça-feira, 25 de março de 2008

AMORES IMPOSSIVEIS

Todas as pessoas na vida têm um amor impossivel. Um caso antigo mal resolvido, uma paixaão platónica nunca consumada, o primeiro namorado, a primeira rejeição. Todos o temos. É parte indissociável do nosso património afectivo. Pode ser tão insignificante como aquele rapaz do oitavo ano que se sentava na carteira ao lado, ou mais profundo como a paixão pelo melhor amigo do nosso irmão, a inclinação poética e inconfessada pelo namorado da irmã mais velha, ou um primo afastado que nos deu atenção quando já eramos gente mas ainda ninguem tinha reparado.Os amores impossiveis são encantadores. E o objecto desse amor, uma pesoa afinal tão igual a qualquer outra, cheia de defeitos e exigua em qualidades é, aos nossos olhos, um ser perfeito, iluminado por Deus, intocável e irresistivel.O nosso amor impossivel é sempre o mais giro, aquele que tem mais charme, os olhos mais azuis e o cabelo mais graciosamente ondulado, o mais perfeiro corpo e a melhor presença, o mais sensual e o mais bem educado. Também o vemos como um herói profissional que desempenha as suas funções melhor que ninguém. Ele é o neurologista mais credenciado, o engenheiro mais competente, o arquitecto mais premiado. A vestir, ele é o que demonstra mais subtileza e requinte. Usa botões de punho como ninguem, e tem sempre fatos irrepreensivelmente enfomados. E claro, usa um perfume, qual o segredo de alquimia, que só ele conhece ou que só nele provoca tão devastador efeito, o de nos fazer cair para o lado só de o sentirmos por perto. E quando fala, ai quando fala, tem o timbre inconfundivel de voz que nós tanto amamos, usa as palavras como só ele sabe e quando ri, então é como se o paraiso tivesse descido a terra e não existisse mais nada, porque tudo o que mais queremos está ali, naquela pessoa.Isto acontece nas raras vezes em que a sorte estve do nosso lado e nos juntou, porque a maior parte das vezes ele vive apenas na nossa memória. E quando fechamos os olhos para o recordar, ele caminha para nós com o passo firme e seguro de um grande senhor e diz-nos tudo aquilo que nós tanto gostariamos de ouvir e que provavelmente nunca lhe terá passada pela cabeça. Para nós, ele é o Principe encantado, ser perfeito e intocável que o nosso destino ou uma loura de cabelo escortanhado incompreensivelmente nos roubou.Outras vezes, ele é uma migo muito próximo, demasiado próximo porque lhe demos excessiva confiança e já caimos na asneira de o amarmos sem exigir nada em troca. É por causa dele que nos metemos horas a fio na cozinha a inventar pratos que com o juizo perfeito nunca nos arriscariamos a fazer. Por causa dele vamos á ginástica, usamos cremes para reafirmar a pele e fazemos tratamentos de cabelo dos quais só nós vemos o resultado. E ele entra e sai da nossa vida conforme lhe dá na gana e ás vezes, num arremesso de insensibilidade tão habitual num homem, relata todas as conquistas e desabafa as tampas que levou. E nós engolimos em seco, mas aguentamo-nos até ao fim e só quando a porta bate é que a tristeza e o desespero chegam para se vingarem da nossa estupida e inutil abnegação. São assim, os amores impossiveis. É impossivel viver sem eles e insuportavel vivê-los. Habituamo-nos a eles como uma chaga cujas cicatrizes nos hão-de dar, ao menos, uma medalha de heroismo. É claro que o nosso amor é impossivel porque sempre o foi. O que quer apenas dizer em bom português que nunca nos ligou o suficiente para nos sentirmos possiveis na vida dele. Mas em vez de nos desmotivar, esse quase desprezo que é um misto de complac~encia e egoismo, faz crescer em nós a vontade absurad e inesgotavel de lutar por ele. Só porque o orgulho e a teimosia nos conduzem cega e inultimente a desejar sempre o que não temos.Mas um dia a sorte pode mudar, Ele aluga a casa do lado ou vem trabalhar para a nossa empresa. E não há fome que não dê em fartura. Estamos com ele de manha, á tarde e a noite, cruzamo-nos no corredor, temos reuniões e pela primeira vez conversamos e olhamos com olhos de gente para o nosso idolo. E a pouco e pouco o pedestal vai baixando como um elevador do principio do século, lentamente e sem dor, até ao nivel da nossa esquecida lucidez.O encanto quebra-se a cada defeito que nos salta escandalosamente á vista. Enterrados os sonhos, pouco ou nada resta. Ás vezes, uma boa amizade e uma dose de riso que levamos para casa e que tomamos todos os dias por termos sido tão ingenuamente enganados por nós próprios durante tantos anos.

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