sexta-feira, 28 de março de 2008

DIAS OFF

Há dias em que me sinto vazia, como se um cansaço imenso e letárgico se tivesse instalado sem pré-aviso e me tolhesse o coração e o espírito. São dias em que acordar é pior do que ter um pesadelo e levantar-me da cama me parece mais difícil do que atravessar o Atlântico a nado. Manhãs submersas em recordações e saudades, a sonhar calada tudo o que quis e nunca tive, mais o que já mereço mas ainda não alcancei. Nesses dias, em que há sempre pouco sol mas a chuva ainda não desceu à terra para a lavar e a sacudir, só me apetece ficar quieta e esquecer o mundo, na esperança que o mundo, por um dia, também se esqueça que existo. Gosto da sensação de me subtrair e desaparecer magicamente, partir sem deixar rasto, esconder-me de todos e de mim própria para ver se me encontro.
Nesses dias de recolhimento e segredo passo a minha vida em revista, olho para trás e vejo tudo como num filme, saboreio os melhores momentos pela memória fresca das boas recordações e salto com a maior rapidez que posso os maus, esperando que um dia os consiga esquecer de vez.
É nestes dias que me vem à memória o cheiro a bafio das casas de verão, o arrepio na espinha quando subia as escadas da camarata na casa da quinta dos meus avós e imaginava ratazanas gigantes a dançar no soalho incerto e ruidoso onde se apoiavam meia duzia de camas de ferro que há muito não viam uma lata de tinta. Ou o vento fresco das madrugadas solitárias a caminho do choupal, sozinha a cantarolar, carregando canas e cordas para, bem no centro do arvoredo conversador e aconchegante constrir a minha primeira cabana, o meu primeiro e mais delicioso refúgio, onde o canavial se cruzava em paredes que se levantavam por meio de cordas e o tecto era forrado a sacos de adubo abertos ao meio que pareciam uma bateria furiosa quando as chuvas de Outono apareciam de repente, deixando-me ainda mais isolada, no meio do verde, da agua e dos meus sonhos de menina pequenina que ainda não cresceu. E o nariz exala ainda o cheiro da agua corrente no tanque onde os limos faziam o chão parecer um ringue de patinagem aquatica e do medo de mergulhar sem controlar a respiração. Ou dos passeios de bicicleta e daquela vontade incontrolável de passar o portão, quando era exactamente iso que não podiamos fazer. A vontade de explorar outros lugares, outros pomares e vinhas, outras hortas e jardins, de conhecer vizinhos misteriosos e entabular conversa com os caseiros das outras casas ou os habitantes da aldeia que passavam a pé, como quem nunca tem pressa, aos domingos, a caminho da igreja, lá em cima no largo, com o inevitável campanário e o inevitável padre míope e seráfico, desdobrado em homilias vagas e pouco convenientes, recordando os mortos e os casados, os baptizados e outros fiés consagrados a votos católicos, numa ladainha de nomes e apelidos entre Josés, Anacletos, Eufrázias, Santos, Gomes e Ferreiras.
Nos dias off, apetece-me que a minha casa se tranforme numa concha com um frigorifico cheio de iogurtes e uma estante com os melhores livros da minha vida. Nesses dias de esquecimento voluntário do mundo, desligo os telefones, penso que o que quer que aconteça não pode ser nem tão urgente nem tão importante que não possa esperar mais 24horas e rezo a um deus qualquer que me tire desta letargia solitária e imensa, onde me afogo para não desaparecer. Mas espero ainda um sinal do mundo, um livro ou um disco enviados pelo correio ou um ramo de alfazemas, que me aqueça o coração e me faça pensar que apesar de tudo ainda vale a pena estar viva.

1 comentário:

Cláudia Mendes disse...

belo texto de margarida rebelo pinto!
Parabens pelo blog!
Cláudia Mendes